quarta-feira, 11 de março de 2009

Porquê ser bons?

Porque é que devemos ser bons, justos, generosos, entusiastas, porque é que devemos amar o nosso próximo, entregarmo-nos, prodigalizarmo-nos? Traz-nos alguma vantagem? Somos recompensados?
A única resposta honesta é não. Não foi realmente dito que o valor será premiado, que os melhores obterão o reconhecimento merecido. Os generosos são explorados pelos egoístas, os honestos são roubados pelos ladrões, os mansos são obrigados a calar pelos intolerantes. Quem deu não recebe em troca de forma proporcional. Jenner, que eliminou a varíola do mundo, morreu amargurado. A Lavoisier, o pai da química moderna, os revolucionários franceses cortaram-lhe a cabeça. Semmelweis, que salvou as mulheres da morte puerperal, foi empurrado para a loucura.
Coisas do passado? Nada disso! Na política é admirado quem despreza, na televisão quem diverte, nos debates quem consegue impor-se. Quando chega alguém muito bom, os medíocres, por inveja, destroçam-no. Quanto mais o admiram no seu íntimo, mais o caluniam.
Também a vós terá acontecido ter prodigalizado, ter distribuído com profusão, no vosso trabalho, tesouros de inteligência e de paciência. Depois, quando realizastes a coisa mais bela, em vez de um reconhecimento recebestes apenas um olhar de desprezo, uma piada irónica. E por detrás dessa crítica sentistes o rancor provocado precisamente pelo facto de terdes sido bons.
Repetimos a pergunta. Porque é que devemos ser bons? Trata-se da mesma pergunta que ecoa na Bíblia e no Talmude. Por que motivo, interrogavam-se os Judeus, nós que somos mansos, que respeitamos as leis do Estado e da Tora divina, somos oprimidos e perseguidos pelos violentos? E encontravam a resposta na fé religiosa. Deus, no fim, recompensará os bons e castigará os malvados com justiça.
Mas agora que resposta damos? Cada época é forçada a repetir a mesma pergunta e a encontrar a sua resposta. Na nossa época desencantada, que não acredita no Inferno e no Paraíso, deveremos ser capazes de demonstrar com um raciocínio que é conveniente ser bons, e dar uma demonstração científica disso. Mas não há de facto nenhum cálculo de ganhos e perdas que justifique o sermos bons. "Não se ganha nada com isso." E então, porque é que se deve ser?
A única resposta é esta: por dádiva, porque gostamos de alguém, porque queremos fazer o bem ao nosso filho, aos nossos amigos, à nossa cidade, à natureza, a quem vier. Se não existir este "bem querer" original, livre, imotivado, gratuito, esta dádiva que surge directamente da nossa natureza humana e da nossa liberdade, não poderá existir nenhuma moralidade.
O progresso humano acontece porque todos os homens são capazes de dar. A moralidade do mundo não provém toda dum cálculo egoísta, mas sim de uma energia primordial que impele os homens a criar, a fazer mais, a dar mais em vez de tirar. Alguém pode chamar a isto instinto, mas é um instinto com que a natureza se contrapõe a si mesma, às suas próprias leis, à pura luta pela existência, ao egoísmo individual, de grupo. É um ir mais além, transcender-se. Foi isto o que fizeram Jenner, Semmelweis e milhões de outras pessoas que viveram a sua vida a trabalhar, a criar.
Uma lenda judaica afirma que o mundo existe porque trinta e seis justos, humildes e desconhecidos, contrabalançam o mal que o destruiria. É uma verdade profunda. Felizmente os justos são muitos, muitos mais.
ALBERONI, Francesco. O Optimismo, tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001; pp. 112 - 113.

2 comentários:

  1. Olá, Hera!

    Um texto excepcional. Se não te importas, vou postá-lo no meu blogue... que é o que vou fazer a seguir.

    Diz qualquer coisa.

    Beijinhos.

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  2. Olá, querida Clio!

    Fico contente por teres gostado destas palavras, que eu também aprecio. Posta à vontade, onde quiseres!

    Estou bem e espero que vocês também estejam bem.

    Beijinhos.

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