A humildade
Para se ser bem sucedido numa dificuldade é preciso uma extraordinária motivação e uma enorme tenacidade. Porque é preciso ter a atenção fixa na meta durante meses ou anos, sem fraquezas, sem descanso, continuamente atentos, vigilantes. As pessoas que olham de fora para as coisas têm a impressão que foi tudo muito fácil. Mas nada é fácil. Não é fácil, para um jovem, passar todas as vezes com boas notas. Não é fácil fazer um curso, pois os exames são sempre obscuros, difíceis.
Por isso, para sermos bem sucedidos não nos devemos deixar absorver pela meta, entregarmo-nos por completo, pormo-nos em jogo. Sim, pormo-nos em jogo, porque se estivermos sempre dispostos a renunciar, a retroceder com um encolher de ombros, nunca teremos a tenacidade e a vigilância necessárias para sermos bem sucedidos. E num sistema como o nosso, competitivo, devemos enfrentar os outros, devemos querer vencer. E, portanto, arriscar, todas as vezes, a derrota.
Nas sociedades primitivas os homens eram caçadores e guerreiros. Punham constantemente em jogo a sua vida. Hoje a competição não é tão cruenta, mas continua a ser o contexto profundo da economia, da política, até da arte e da cultura. E nesta competição todos nós esperamos o aplauso, a admiração dos outros, o "reconhecimento" da nossa superioridade.
No entanto, admitindo estes factos, estas leis que não podemos evitar, temos que dizer que, se nos deixarmos levar, absorver completamente por eles, perdemos o nosso equilíbrio mental. Porque nada há mais louco e terrível que fazer depender o nosso valor, a ideia que temos de nós próprios, do êxito, do aplauso dos outros. Porque há sempre milhares de factores que nós não controlamos, porque estamos nas mãos do acaso, da boa ou má sorte. Um número enorme de cientistas e de artistas só teve o seu reconhecimento depois da morte. Quantas grandes personalidades não foram arruinadas pelas intrigas, pelos complôs de pessoas infinitamente inferiores a elas!
Portanto, todos nós, ao mesmo tempo que devemos lutar e empenharmo-nos a sério para fazermos as coisas bem, na perfeição, devemos ter no fundo do nosso coração uma reserva, uma capacidade de distanciamento. Saber que pode correr mal, que podemos não conseguir ou que o mérito pode não ser reconhecido. Ou melhor, não contar com ele. O guerreiro, até o maior dos guerreiros, que enfrentava um duelo, tinha de saber que aquela podia ser a sua última prova, que podia morrer. Ou melhor, que haveria sem dúvida um momento em que morreria. Aquiles sabia que seria morto ainda novo.
Esta aceitação do limite, do revés, é a humildade. A consciência de que tudo o que se faz é precário e deve ser precário. Que o valor está precisamente em fazê-lo apesar de ser precário, embora o resultado seja um insucesso, embora venha a ser tratado injustamente. A grande força dos Gregos foi a procura da aretê, da perfeição, não do sucesso. A grande força dos Judeus foi realizar a vontade de Deus e o resto, a riqueza, vir por acréscimo. E para Lutero até a salvação, até o Paraíso, devia ser qualquer coisa por acréscimo que Deus dá ou não dá, independentemente dos méritos que nós, homens, pensamos ter. Muitas vezes dizemos que no mundo moderno os fundamentos da moral mudaram por completo. Ou que já não há moral nenhuma. Que parvoíce! Nenhum de nós pode depender apenas da opinião, dos juízos, da gritaria dos outros. E é só ao nível da moralidade que pode encontrar o seu fundamento. Vítimas dos reveses, da injustiça, da dor, basta fazermos um acto moralmente inspirado e somos salvos. ALBERONI, Francesco. O Optimismo, tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001; pp. 92 - 93.
Sem comentários:
Enviar um comentário