domingo, 27 de janeiro de 2008

Reflexões em prelúdio carnavalesco



Pieter Brueghel, o Velho
Le Combat de Carnaval et Carême (1559)
huile sur bois de chêne - 118 x 164,5 cm
Vienne, Kunsthistorisches Museum Wien

Realmente, o tempo passa muito depressa e já cheira a Carnaval. Adoro esta época de excessos, de brincadeiras, de partidas, de diversão, de verdadeiros quadros grotescos em que podemos entregar-nos a vários pequenos pecados antes de chegar a época séria da Quaresma, que precede a Paixão de Cristo. Bom, bom... Vamos lá ver... Nos dias que correm, só permaneceram as festividades religiosas em si e o significado delas perde-se cada vez mais. Quantas criancinhas e jovens imberbes - e até alguns adultos - saberão o porquê de tanta folia no Carnaval, tanta que até se diga que "ninguém leva a mal"? Creio que não muitas e devem ser cada vez menos. O problema é que muitas coisas falham na nossa educação, nas escolas, e os pais, os professores e os educadores não transmitem (ou não conseguem transmitir...) tudo o que os jovens deveriam receber para a sua herança cultural ou - no pior dos casos - não podem transmitir o que nunca receberam. Sem querer que as pessoas devam seguir esta ou aquela religião, apenas penso que as tradições dominantes num país devem ser compreendidas, para que o povo perceba, de facto, aquilo que se faz no Natal, no Carnaval e na Páscoa e por que é que se faz. Que ninguém seja apanhado a fazer uma coisa, sem saber por que é que a faz! Mas isso já é outra história... O verdadeiro motivo que me leva a escrever este post é esta notícia: http://jn.sapo.pt/2008/01/23/norte/crueldade_gato_abre_polemica_campia.html . Li-a há uns dias e confirmei uma vez mais o quanto a raça humana pode ser tão cruel, com a desculpa de que é Carnaval. O divertimento com a tortura de um ser tão puro e inocente como um animal... O Carnaval pode ser algo de muito bom e catártico, essencial, na medida em que podemos libertar-nos das convenções e assumir o nosso lado mais ridículo, pecador, negro, horrível, grotesco, imundo, obsceno e, ainda assim - ou talvez por isso mesmo -, divertido! Todos temos um lado cheio de máculas - há que admitir, embora talvez uns mais que outros - e o Carnaval é bom para nos purificarmos de tudo isso sem sentimentos de culpa. No entanto, há quadros grotescos que devem ser mantidos na ficção. São tão nojentos e sórdidos que não os queremos na vida real, não! Nem pensar, sobretudo quando provocamos sofrimento nos outros. Ser uma bruxa, um ladrão Metralha, um Vampiro, um monstro, muito bem... Contudo, só no plano da máscara. No Carnaval posso ser quem bem eu quiser, posso assumir quem eu realmente sou, aquele "eu" que está sempre escondido nos outros dias, ou posso ser aquele não sou eu nem nunca fui. Moral da história: o dia do Carnaval, para ser só ficção, não pode incluir actos que se reflictam na vida real de outro ser ou de nós mesmos. Não sendo assim, deixa de ser Carnaval e passa a ser um dia cruel, numa data como qualquer outra do ano. Tal como acontece com essa tradição malvada que li.

3 comentários:

  1. Subscrevo por inteiro o que dizes, Hera! Muito bem.

    Os animais têm direitos!

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  2. Não sei bem porquê mas os gatos andam sempre na mira da maldade humana...

    Em Queluz, onde morei, era frequente ouvirmos histórias de gatos torturados pelos miudos.
    Apareciam-nos pela frente, gatos com rabos e orelhas queimadas e outras mazelas, que nos deixavam de lágrimas nos olhos de tanta pena e impotência que sentíamos!!...

    Aqui, no algarve, as partidas são outras, mas não menos cruéis: atar o rabo do gato à barriga com fita cola e observar como perdem o equilíbrio; cortar os bigodes e outras coisas que me põem doente...

    Nem sequer se limitam a fazer isso uma vez por ano, por altura do Carnaval. Não! As crianças entretêm-se assim sempre que lhes apetece!!...

    Os cães, aparentemente, encontram-se a salvo destas torturas humanas... Mas os gatos são sempre vítimas!...

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  3. Querida Ariadne,

    como muito se diz nas ciências sociais e humanas, psicologia, sociologia, antropologia, filosofia e afins..., somos um produto do meio. Essas crianças não nasceram cruéis - ensinaram-lhes o gosto pela maldade e ninguém lhes mostrou a diferença entre o certo e o errado, ninguém lhes ensinou a pensar no sofrimento que podemos causar aos outros, nem a respeitar para sermos respeitados.

    Tudo isto é uma parte negra da mentalidade, da cultura que temos entre nós. A sociedade portuguesa, em geral, adora os cães e vê nos gatos um animal traiçoeiro. Sei que na Grécia - Europa Oriental... -, na Turquia e em outros países do Médio Oriente, os gatos são muito mais amados e respeitados que os cães.

    Enfim, um mundo perfeito seria aquele com amor e respeito por todas as criaturas...

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