segunda-feira, 2 de abril de 2007

«grande alma»

Pessoa sonhou ser um Virgílio [sic] ou um Dante: o demiurgo de uma arquitectura poética monumental em que se encontra contido o universo, e que faz concorrência à natureza. Ele sonhou com um único Grande Livro, graças ao qual o mundo adquiriria um sentido. Mas soube que não o «fabricaria» nunca, porque não era um construtor, nem um artesão, talvez nem sequer um artista, mas, como Shakespeare, antes de tudo, uma «grande alma», uma consciência sem limites. A sua obra nasceu em ruínas. Falta-lhe ao mesmo tempo a essência (um projecto global) e a existência (o repouso na forma). Estas palavras calcinadas pelo fogo central do seu ser testemunham, sem o revelar, o cataclismo que o destruiu. O destino do «génio» é esse combate com o Anjo: a resistência que opõe um espírito humano, demasiado humano, à grandeza soberana dos pensamentos que ele mesmo concebeu no seu delírio.
BRÉCHON, Robert, Estranho Estrangeiro. Uma biografia de Fernando Pessoa, trad. de Maria Abreu e Pedro Tamen, Lisboa, Quetzal Editores, 1996, pp. 427-428.


2 comentários:

  1. a grande alma da literaturamostrou-se so e incompativel com mais de metade do mundo...

    criou todos os perfis humanos para poder 'falar' com os outros...

    conseguiu, ou nao?
    em vida , acho que nao... depois de morto, ouse calam ou se fala muito melhor...

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  2. O génio de Fernando Pessoa foi, de facto, exuberante. Tão exuberante que não coube na existência simples do poeta empírico Homem, abrindo as asas, depois da sua morte, para uma notoriedade sem fronteiras.

    Já dizia Fernando Pessoa que não somos do tamanho da nossa altura, mas sim do tamanho daquilo que conseguimos ver.

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