quarta-feira, 14 de março de 2007

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Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dôr me fere, em busca d'um abrigo;
E apezar d'isso, crês? nunca pensei n'um lar
Onde fosses feliz, e eu feliz comtigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos romanticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito,
Como a esposa sensual do Cantico dos canticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealiso
A tua côr sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de vêr esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de inverno.

Passo comtigo a tarde, e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jámais de te beijar na bocca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
Eu não sei que mudança a minha alma presente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.


PESSANHA, Camilo. Clepsydra, edição crítica de Paulo Franchetti, Lisboa, Relógio D'Água, 1995; p. 84.




William Bouguereau - Rapariga a Defender-se do Amor (1880)




1 comentário:

  1. Quer o excerto de Saramago publicado pela Ariadne, quer este belo poema de Pessanha publicado pela Hera, coaduna-se perfeitamente com o que penso, o que sinto, neste momento da minha vida. Podem continuar... a ajudar-me a ver melhor o que se encontra ainda embaciado a meus olhos... Enigmático este meu comentário, n' é? Não interessa. O que interessa é que o blogue nos mantém unidos. Como é bom estarem aí...

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