quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

O ciumento - o eterno perdido no escuro

René Magritte - Os Amantes (1928)
óleo sobre tela
54,2 x 73 cm
colecção privada

ciúme - do latim *zelumen, de zelu-, zelus, i, "inveja".

inveja - do latim invidia, "inveja"; invidia, de invidus ("invejoso"); invidus, de invideo (in + video), "olhar com insistência, lançar maus olhados".

O ciumento é o invejoso que olha com insistência, que procura, nessa teimosia curiosa, olhar o que não vê, que tenta ver mais além do que consegue.

" (...) E os amantes que Odette tivera sucessivamente (andara com este, depois com aquele, tudo homens de quem o pobre Swann, cego pelo ciúme e pelo amor, nunca suspeitara, ora calculando as probabilidades, ora acreditando nas juras - mais afirmativas estas que uma contradição que escapasse à culpada, contradição muito mais indefinida e contudo muito mais significativa, e da qual o ciumento, para inquietar a amante, mais logicamente se poderia valer que de informações que ele finge ter tido), esses amantes pôs-se o senhor de Charlus a enumerá-los, com tanta certeza como se recitasse a lista dos reis de França. E efectivamente o ciumento é como os contemporâneos, está muito perto e não sabe nada, e é para os estranhos que a crónica dos adultérios assume a precisão da história e se alonga em listas, aliás indiferentes, e que só se revelam tristes para outro ciumento como eu, que não pode deixar de comparar o seu caso com aquele de que lhe falam e que pergunta a si mesmo se acerca da mulher sobre quem tem dúvidas não haverá uma lista igualmente ilustre. Mas não o pode saber, é como que uma conspiração universal, um vexame em que todos participam cruelmente e que consiste, enquanto a amiga anda com um e com outro, em colar-lhe aos olhos uma venda que ele eternamente se esforça por arrancar sem o conseguir, porque toda a gente mantém cego aquele infeliz, os bons por bondade, os maus por maldade, os grosseiros por gostarem de pregar boas partidas, os bem-educados por delicadeza e boa educação, e todos por uma daquelas convenções a que se chamam princípios."

PROUST, Marcel - Em busca do tempo perdido, volume V - A prisioneira. Pedro Tamen, trad. Lisboa: Relógio D' Água, 2004. 293 p. ISBN - 972-708-779-5


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