quinta-feira, 16 de novembro de 2006

A indiferença e o desassossego

"(...) O barão [de Charlus], que via com facilidade por toda a parte outros semelhantes a ele [homossexuais], não duvidou de que Cottard fosse um desses e lhe estivesse a lançar olhares amorosos. E mostrou logo ao professor [Cottard] a dureza dos invertidos, tão desdenhosos para aqueles a quem agradam como ardentemente solícitos para com aqueles que lhes agradam. É claro que, embora todos falem mentirosamente da doçura de se ser amado, sempre recusada pelo destino, há uma lei geral, cujo poder está longe de se exercer exclusivamente sobre os Charlus, segundo a qual o ser que não amamos e nos ama nos parece insuportável. A esse ser, a essa mulher que não diremos que nos ama mas que se agarra a nós, preferimos a companhia de outra qualquer que não terá nem o seu encanto, nem os seus atractivos, nem a sua inteligência. Para nós, só voltará a tê-los quando tiver deixado de nos amar."

PROUST, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido, volume IV - Sodoma e Gomorra, tradução de Pedro Tamen, Lisboa, Relógio D' Água, 2003; p. 324.
Gustav Klimt - Adão e Eva (1917 - 1918)
173 x 60 cm
óleo sobre tela
Vienna, Österreichische Museum für Angewandte Kunst

3 comentários:

  1. Fantástico, nada mais certeiro. Só estimamos o bem que tivemos quando o perdemos.
    Mas continuo a acreditar no amor simultâneo e correspondido, apesar de ele ser tão esquivo.
    Belo quadro de Klimt, continua a presentear-nos com o teu bom gosto literário e pictórico
    Oscula

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  2. Por acaso já tinha pensado nisso: que a pessoa a quem amamos mas que não nos ama a nós nos considere insuportáveis. Digo isto neste prisma - o do ser que ama - e não no que está no texto - o do ser que não ama ("o ser que não amamos e nos ama nos parece insuportável") - porque é o único que já experienciei. Ora bem, sou insuportável :)

    Obrigada, Hera, pelos interessantes excertos de Proust que tens colocado no blogue. Em Busca do Tempo Perdido, com todos os seus volumes, é uma das tais (milhares de) obras que tenciono ler e, de facto, estás a contribuir imenso para reduzir o tempo que me afasta do início da sua leitura. A escrita proustiana é muito sedutora.

    Boas leituras!

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  3. Querida Clio,

    lê Proust. Se tens vontade, lê mesmo. Vale a pena! Ainda não consegui ler tudo. Parei em Janeiro! Meteram-se muitas leituras obrigatórias pelo meio e nunca mais consegui retomar a leitura. Mas quero continuar a leitura logo que possível.

    Tem lá quase tudo: amor, guerra, ciúme, sociedade, inveja, futilidade, avareza, homossexualidade, canalhice...

    Lê preparada para te emocionares, para te revoltares, para encontrares evidências do funcionamento da sociedade e do comportamento humano...

    Boas leituras!

    Beijinhos a todos.

    P. S. - Ah! E é mesmo verdade que os que deixam de ser amados encontram encanto naqueles que deixaram de os amar.

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