terça-feira, 30 de março de 2010

De novo Alberoni

Regresso à leitura das sábias palavras de Francesco Alberoni. Este é um dos seus textos que compensa ler e partilhar:
Não lhes dar a satisfação
Todos nós, homens e mulheres, jovens e velhos, temos necessidade de ter valor. Os psicanalistas falam de auto-estima. Mas ninguém pode dar valor a si mesmo. O valor vem-nos sempre dos outros. A começar pela criança que sabe ter valor porque a sua mãe o aperta ao peito, o beija e lhe diz que é bonito. Mas este processo continua durante toda a vida. Periodicamente, temos necessidade de nos sentirmos estimados, apreciados pelas pessoas que, aos nossos olhos, têm as qualidades para o fazer.
Quem tem o poder de dar os reconhecimentos que contam? Cada vez mais, apenas algumas pessoas ou algumas categorias sociais. Para o jovem não é suficiente que seja um amigo a dizer-lhe que é inteligente. Tem necessidade de ouvi-lo dizer ao professor e ao pai. Mas não é suficiente o pai para dar confiança em si mesmo a um jovem atleta. Este tem necessidade do julgamento do treinador.
No enamoramento, nós entrevemos numa pessoa a própria essência da vida e da felicidade. Nestes casos é-nos suficiente o juízo da pessoa amada e o seu amor para enfrentarmos com confiança o resto do mundo. Concluindo, são duas as categorias de pessoas de quem dependemos para conhecermos o nosso valor: os que amamos e as pessoas que desempenham um papel profissional específico.
Grande parte das dinâmicas que se desenvolvem nas famílias e nas empresas explicam-se pela necessidade de reconhecimento. E muitas formas de poder baseiam-se na capacidade que algumas pessoas têm de fazer desejar o reconhecimento sem o darem. São as pessoas que "não te dão a satisfação". Mal se apercebem que esperamos qualquer coisa, um louvor, um prémio, uma aprovação, desencadeia-se neles o prazer de a recusarem.
Às vezes é só por brincadeira, como acontece entre os jovens. Quando um deles vence, obtém uma boa votação, os outros, em vez de o elogiarem, troçam dele. Ou é o pai que, quando o filho vai bem na escola, lhe diz muito seco que apenas fez o seu dever.
Outras vezes, pelo contrário, é para conquistar um poder sobre o outro, aproveitando o seu desejo de afecto e de aprovação. Há algumas formas de falsa amizade em que um dos dois joga a ser indiferente, superior. E o outro desfaz-se todo para atrair a sua atenção, para obter um gesto afectuoso, um olhar, um elogio.
Este mecanismo de domínio é muitas vezes utilizado no seio da família, aproveitando o natural desejo de reconhecimento que se estabelece entre quem se ama. Às vezes é o marido de cuja boca nunca sai um elogio, uma frase de admiração. A mulher chega ao pé dele vestida com gosto, maquilhada e lindamente penteada. E ele reafirma o seu domínio recordando-lhe que anda a gastar demasiado.
Às vezes é a mulher que, em casa e diante dos filhos, recusa ao marido o reconhecimento de que goza fora de casa. No mundo profissional ele é um homem de sucesso. É temido, apreciado, admirado. Gostaria de ser reconhecido da mesma forma também por ela. Mas não consegue. Quanto mais ele se esforça por consegui-lo, mais ela lhe encontra defeitos. Fala deles com as amigas, faz com que os filhos os vejam. Ele será um grande homem fora de casa, mas na intimidade nada vale. E desta forma o segura.
Muitas vezes os pais desejam o reconhecimento dos filhos e, em caso de separação ou de divórcio, rivalizam para ficar bem vistos desvalorizando o outro.
O desejo de reconhecimento e a forma como é administrado constituem uma parte essencial da vida artística, profissional e académica. Alguns críticos construíram a sua fama arrasando todos aqueles que prometiam ter êxito. Também nas empresas as pessoas capazes de utilizar o mecanismo da desvalorização conseguem muitas vezes conquistar muito poder.
Veio-me à ideia o caso de um dirigente que quase tinha chegado a apoderar-se de uma empresa desprestigiando a família proprietária. Tinha aproveitado um período de dificuldades para cair nas suas graças. Depois destruíra todos os dirigentes e consultores que podiam fazer-lhe alguma sombra. Era sempre rigoroso, carrancudo, inflexível. Encontrava defeitos em todos. Não perdia nenhuma oportunidade para os denunciar de forma desapiedada. Durante anos e anos nunca saíra da sua boca qualquer palavra de admiração ou de elogio.
Este tipo de dirigentes, muitas vezes, nos primeiros tempos, obtêm bons resultados, porque os subordinados desfazem-se para obter reconhecimento. Depois, os mais inteligentes, os mais dotados, compreendem o jogo e vão-se embora. Com eles ficam apenas os medíocres, e assim, pouco a pouco, precipitam-se na mediocridade. É este o destino comum de todos os que não conseguem reconhecer o valor do outro. Ficarem sem valores.
Francesco Alberoni, O Optimismo (1.ª ed.: 2001), tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra

2 comentários:

  1. Querida Hera,
    o texto de Alberoni parece-me muito claro (especialmente o último parágrafo, 'empresa' em que me vejo), mas parece-me que ainda antes de vir o reconhecimento daqueles "que amamos e [d]as pessoas que desempenham um papel profissional específico" tem de vir de nós próprios esse elogio, em frente ao espelho, todos os dias, como forma de nos vacinarmos contra os vírus que nos atacarão ao longo desse dia...
    Oscula

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  2. Sim, querido amigo Narcisus, tens toda a razão: o primeiro elogio, a primeira confiança em nós tem de vir de nós mesmos. No entanto, é preciso o equilíbrio: que ninguém se afogue na imagem da sua beleza! A parte do reconhecimento de quem realmente é importante para nós e de quem está realmente autorizado para o fazer também é importante.

    O problema começa quando achamos que alguém - só por estar no poleiro de cima ou por gostarmos muito dessa pessoa, depende dos casos - tem realmente capacidade para reconhecer o nosso verdadeiro valor. Nem sempre essas pessoas têm tal capacidade e - como diz o texto -, quando a têm, negam-se a reconhecer o valor dos outros, precisamente para conquistarem poder.

    É esse o momento em que devemos virar a página...

    Beijinhos.

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