quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A Hortênsia lembrou-ma!!!

Soror Mariana Alcoforado (1640-1723)
(Soror Mariana Alcoforado nasceu e faleceu em Beja. Era uma religiosa que professou no Convento da Conceição, em Beja, tendo sido escrivã e vigária do mesmo convento).

Terceira Carta



«Que será de mim?....e que queres tu que eu faça?...

Vejo-me bem longe de tudo o que tinha imaginado!

Esperava que me escrevesses de todos os lugares por onde passasses; que as tuas cartas seriam mui extensas; que alimentarias a minha Paixão com as esperanças de ainda ver-te; que uma inteira confiança na tua fidelidade me daria alguma espécie de repouso; e que ficaria assim em um estado suportável, sem estrema dor.
Tinha até formado alguns leves projectos de fazer esforços que me fossem possíveis para curar-me, no caso de saber com certeza que me tinhas esquecido completamente.
A tua ausência, alguns toques de devoção, o receio natural de arruinar totalmente a pouca saúde que me resta por cansadas vigílias e tantas inquietações, a escassa aparência da tua volta, a frieza da tua afeição e dos teus últimos adeuses, a tua partida fundada em frívolos pretextos, mil outras razões mais que boas e demasiado inúteis, pareciam prometer-me um auxílio assaz certo, se me viesse a ser necessário.
Não tendo enfim a combater senão comigo, mal podia desconfiar de todas as minhas fraquezas, nem aprender tudo o que hoje sofro...
Oh! triste de mim!
Quanta compaixão mereço, visto não sermos ambos participantes das penas, mas eu só a desgraçada!...
Este pensamento mata-me, e morro de susto de que jamais tenhas sido extremamente sensível a todos os nossos prazeres.
Agora sim, conheço a má fé de todos os teus afectos...Enganavas-me todas as vezes que me dizias ter sumo gosto de estar só comigo...
Às minhas importunações devo somente os teus desvelos e transportes...De sangue frio formaste a tenção de me abraçar, e consideraste a minha paixão como um trofeu, sem que o teu coração jamais fosse comovido entranhavelmente...
Não deves tu ser bem infeliz, e ter bem pouca delicadeza, para nunca haver sabido colher outro fruto dos meus enlevamentos?...E como é possível que com tanto Amor eu não tenha podido fazer-te completamente venturoso?
Lamento, por Amor de ti somente, as deleitações infinitas que perdeste...Por que fatalidade não quiseste desfrutá-las?...Ah! se as conhecesses, acharias sem dúvida que são mais sensíveis do que a satisfação de me ter seduzido, e terias experimentado que somos mais felizes, e sentimos qualquer coisa de mais fino mimo em amar ardentemente, do que em ser amados.
Não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo...Mil tormentos contrários me despedaçam!...Quem poderá imaginar um estado mais deplorável?...Amo-te como uma perdida, e modero-me ainda assim contigo, até não ousar talvez desejar-te as mesmas tribulações, os mesmos transportes que me agitam...Matar-me-ia, ou a não fazê-lo, morreria de dor, se estivesse certa que nunca tinhas repouso, que a tua vida era uma contínua desordem e perturbação, que não cessavas de derramar lágrimas, e que tudo aborrecias...Eu não me sinto com forças para os meus males, como poderia suportar a dor que me causariam os teus, mil vezes mais penetrantes?...Contudo não posso do mesmo modo resolver-me a desejar que não me tragas no pensamento, e para falar-te sinceramente, sinto com furor ciúmes de tudo quanto possa causar-te alegria; comover o teu coração, e dar-te gosto em França.
Ignoro por que motivo te escrevo...Vejo que apenas terás dó de mim, e eu rejeito a tua compaixão, e nada quero dela;
Enfado-me contra mim mesma, quando faço reflexão sobre tudo o que te sacrifiquei...Perdi a minha reputação; expus-me aos furores de meus pais e parentes, às severas leis deste Reino contra as religiosas... e à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças...Ainda assim eu sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, e que do íntimo do meu coração quisera ter corrido muito maiores perigos por Amor de ti, e provo um funesto prazer de ter arriscado por ti vida e honra.
Tudo o que me é mais precioso não devia eu entregá-lo à tua disposição?...E não devo eu ter muita satisfação de o ter empregado como fiz?...Parece-me até não estar contente, nem dás minhas mágoas, nem do excesso de meu Amor, ainda que, ai de mim! não possa, mal pecado, lisonjear-me de estar contente de ti...Vivo, e como desleal, faço tanto por conservar a vida, quanto perdê-la!...Morro de vergonha... acaso a minha desesperação existe somente nas minhas ?...Se eu te amasse com aquele extremo que milhares de vezes te disse, não teria eu já de longo tempo cessado de viver?...Enganei-te... tens toda a razão de queixar-te de mim...
Ah ! por que não te queixas?...
Vi-te partir; nenhumas esperanças posso ter de mais ver-te. e ainda respiro!... É uma traição...Peço-te dela perdão. Mas não mo concedas...Trata-me rigorosamente.
Não julgues os meus sentimentos veementes...Sê mais difícil de contentar...Ordena-me nas tuas cartas que morra de Amor por ti...Oh! conjuro-te de me dares esse auxílio para poder vencer a fraqueza do meu sexo, e pôr termo às minhas irresoluções, por um golpe de verdadeira desesperação.
Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim...A minha memória te seria cara, e quiçá esta morte extraordinária te causaria uma sensível comoção.E a morte não é porventura preferível ao estado a que me abaixaste?...
Adeus!
Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.
Ah! sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em que te escrevo, quanto prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.
Cedo sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor.
Adeus.
Promete-me de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim possa ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de tudo!
Esta consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre, desejara muito não deixar-te a outra.
Dize, não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para, pareceres mais amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?
Adeus outra vez...
Escrevo-te cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti: peço-te mil perdões, e atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata, que o não era, como tu bem sabes, antes de amar-te.
Adeus.
Parece-me que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou. Contudo agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço o sossego em que vivi antes de conhecer-te...
Adeus.

A minha paixão cresce a cada momento.

Ah! quantas cousas tinha ainda para dizer-te!...»

3 comentários:

  1. Queria introduzir mais parágrafos para tornar o texto mais aprazível de se ler, mas não consegui porque precisava de editar o texto em html para o efeito.

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  2. E eu não tenho paciência (nem disponho já de muito tempo) para isso!...

    Beijinhos.

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  3. Ariadne, às vezes, quando queremos voltar ao texto para o editar, ele vai automaticamente para html. Repara em cima da barra de ferramentas: há dois separadores, um que diz "editar html" e outro que diz "redigir". Clica neste último e voltarás à edição normal de texto. Ok? Mas não te preocupes. A disposição do texto está óptima!

    Obrigada por esta carta. Já há algum tempo que ando para adquirir a obra que reúne as cartas da Soror Mariana Alcoforado... Estava interessada na sua leitura e agora ainda fiquei mais...

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