quarta-feira, 3 de outubro de 2007

De volta... Com Daniel Faria "Livro do Joaquim"


Estive em Portugal, estive com amigos e estive com livros e, mesmo assim, não estive neste blogue e, agora, de volta a Timor-Leste, não posso mais deixar este espaço parado... Seria egoísta...
A internet não me é, ironicamente, tão acessível em Portugal do que cá.

Há muitas novidades a contar, mas hoje apetece-me mesmo dedicar esta mensagem aos meus amigos, não só os participantes desta sala de visitas, mas a todos aqueles que, aleatoriamente, vão sabendo da existência deste sítio de encontro.


Durante as férias, li o que pude e procurei ler o que queria. Pelo meio de encomendas, comprei alguns livros e este foi a melhor compra das férias: Daniel Faria O Livro do Joaquim.

Quem não conhece o poeta não se admire, viveu demasiado pouco para poder estar nos 'tops' das livrarias... Morreu com quase 30 anos, de doença. Preparava-se para a vida religiosa.

O Livro do Joaquim, editado pela Quasi, neste ano, é um fisicamente grande, mas com poucas páginas, isto porque é a edição crítica e fac-similada de um pequeno caderno que Daniel Faria escreveu, para o seu amigo Joaquim, não só com poemas e até uma pequena peça de teatro, mas com reflexões várias sobre aqueles temas que nos preocupam sempre, como a amizade, o amor, a felicidade, a morte.

Não seria justo dizer isto tudo e não deixar aqui alguns textos (é, aliás, esse o meu principal objectivo).

Também não posso deixar de os dedicar a todos aqueles para quem não tenho palavras adequadas para exprimir a minha amizade...



Porto, 4 Fevereiro 1993

A ausência dos meus amigos é, de todos os desesperos, aquele que mais me aflige. É como a erva calcada dos campos: uma ameaça contra a respiração.



A minha poesia é um punhal contra sia mesma. Durará o tempo de um corpo ao derramar-se.

Os génios, eles, não são assim tão amparados apesar de estarem tão próximos de Deus.



Sei que quanto mais amo, menos devo conhecer. Não sei explicá-lo. Sei que a luz ao aproximar-se do meio-dia se faz tarde e anoitece. (p.68)



Aos meus amigos nunca pedi mais

que um copo de água

sobre a mesa


E tudo o que me deram foi

seus lábios cheios de ses


Por isso minha vida

é

e lhes sou grato

(p.70)



Eu amo e odeio tanto... O amor dói-me e o ódio fere-me.

Às vezes digo que sou a favor da guerra, da morte, da vilência. E não me temo. Porque há essa horrível (de tão verdadeira) e enjoativa frase que dizemos: “a palavra é de prata e o silêncio é de oiro”. Porque o amor será sempre do silêncio

(p.71)



Se eu um dia me suicidar, não há-de ser pela infelicidade da minha vida, mas pela felicidade da morte. Nada, como a morte às vezes, me é tão sedutor. Não é dor, nem medo, nem ausência, nem preso. É apenas essa estranha leveza de não-ser e de tão pouco ser isso.

Se eu um dia me suicidar, não o farei como quem nega, mas como quem confirma. Na sua aparente traição, será ainda o gesto infinitamente grato de quem nunca mereceu até o mínimo e mais desatento cuidado. Desprender-se – essa liberdade, não a maior... embora! mas liberdade – para o nada, o absurdo, ou (se houver perdão) para o mais além.

(p.73)



A diferença é a única coisa que vale.

Por se diferença é solitária e isolada perde sentido, só se vive comunitariamente.

O meu melhor amigo é o mais próximo e o mais distante dos rostos que eu amo.

A diferença é o que une.

Ela é como qualquer abertura. Marcando a diferença entre dois espaços, é o que permite a ligação entre eles.

(p.74)



Creio que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as suas limitações. Quem recusa aos outros a sua pequenez, comete um dos mais infelizes gestos de prepotência. E porque aí se rejeita, aos outros não poderá dar senão o sofrimento da perda. Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres.

(p.74)



Até hoje vivi mais das possibilidades do que das certezas, das esperanças mais do que das decisões. E agora que decidir é irremediável e o tempo para mim se fez lugar de angústia mais que redenção, invejo Moisés que tendo vivido o tempo da promessa, morreu antes de chegar à terra prometida.

(p.75)



2.

Na amizade, muitas vezes, a distância é o lugar mais próximo e de maior proximidade, isto é, onde a presença do outro de tão inteira já não pode ser medida. Sendo um lugar cheio de saudade, esse é também um lugar feliz, porque aí sem cessar se regressa e avista.

É como o movimento de quem caminha num espaço alto e estreito: é preciso separar os braços e desunir as mãos, para que possa alacançar-se o equilíbrio.

(p.76-77)



O seu último exercício de autocomplacência era escrever o seu nome vezes sem conta. Como Narciso a atirar pedras ao rio, perturbando a água, para ver o seu rosto reconstituir-se de novo.

(p.77)



Não recuses nenhum dos teus limites, só eles dizem a grandeza do que tens.

(p.78)



O meu melhor amigo (talvez um dia diga o que é para mim um melhor amigo) vai-se embora. Agora, como nunca me acontecera, sinto-me mártir. Quero dizer, tão feliz e tão triste, como só aos mártires foi dado ser.

(p.80)



Não tardará e direi: “Pela primeira vez na vida me sinto ressuscitado: a morte devolveu-me a vida, a partida do meu melhor amigo devolveu-me o meu melhor amigo, o sofrimento devolveu-me a escrita, o sofrimento devolveu-me a escrita, o vazio devolveu-me O sempre presente.

Acredito que direi.

(p.80s)



É triste que o destino tenha opinião.

(p.81)



Porque aprendi a conhecer-te, vejo que agora me desprezas. Não o tivesse eu aprendido, e nem hoje isso me importava.

(p.81)



Na impossibilidade da amizade ter um fim, continuar a amar é dizer adeus.

(p.84)



Sei que o mar fecha as ondas sobre os búzios e que, estes postos nos ouvidos, as ondas voltam devagar. Sei que no interior do corpo se desdobram e que só os olhos os podem libertar.

(p.86)






4 comentários:

  1. Afinal, já consigo deixar comentários. Lamento a perda da minha "persona" clássica:( Essa questão fica para outro dia.
    Queria dizer que este post é lindíssimo e, espero que não leves a mal, se eu chamar a mim os louros de te ter alertado para o lançamento de mais esta pérola de Daniel Faria. Obrigada por este momento.
    Beijos

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  2. Existem três tipos de mulher:

    As bonitas

    As feias

    E, as loiras!

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  3. Magnífico Daniel Faria... e uma encantadora selecção de excertos!

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