Venus
(A Pires Avellanoso)
I
Á flor da vaga, o seu cabello verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!
Putrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, n'um balanço alaga,E reflue (um olfacto que se embriaga)
Como em um sorvo, múrmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva...
De pé, fluctua, levemente curva,
Ficam-lhe os pés atraz, como voando...
E as ondas luctam como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastado-a na areia, co'a salsugem.
II
Singra o navio. Sob a agua clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
Impeccavel figura peregrina,
A distancia sem fim que nos separa!
Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente côr de rosa,
Na fria transparencia luminosa
Repousam, fundos, sob a agua plana.
E a vista sonda, reconstrue, compara.
Tantos naufragios, perdições, destroços!
Ó fulgida visão, linda mentira!
Roseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivem desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...
PESSANHA, Camilo. Clepsydra, edição crítica de Paulo Franchetti, Lisboa, Relógio D'Água, 1995; pp. 110 - 111.
Ofélia (1894)
John William Waterhouse
Horrivelmente belo...
ResponderEliminarA decomposição... e a água clara do mar, que tudo purifica...