Poema a boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem os dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
Saramago, José, Os Poemas Possíveis, Lisboa, Caminho, 1981.
Poeta não é aquele que escreve muito. Mas é aquele que quando escreve diz tudo.
ResponderEliminarE as palavras não são as únicas que falam. Às vezes o silêncio diz mais do que diriam mil palavras.
Não quero ouvir o teu silêncio, Ariadne. Quero ouvir a música das tuas palavras e a de todos os que contigo tocam a sinfonia da minha vida.