sexta-feira, 9 de março de 2007

Ricardo Reis

(...) [A] visão niilista do mundo e da condição humana é o aspecto mais clássico e talvez mais banal da obra de Reis. Ela poder-lhe-ia inspirar um sentido trágico da vida, fazer dele um revoltado e um imprecador. Mas pelo contrário, ele baseia nesse pessimismo uma ética da aceitação total. Por uma via muito diferente da de Caeiro, ele vai também encontrar a única felicidade possível num «sim» dito à criação. Um «sim» mais ambíguo do que o do seu companheiro, mais carregado de dúvidas e de restrições mentais, sem nada da pretensa inocência do poeta bucólico. O que é mais original em Reis é essa estratégia de uma sabedoria paradoxal que situa a liberdade no coração da servidão e a alegria no coração da infelicidade de existir. Liberdade e alegria tomam a forma da «serenidade», a ataraxia dos Gregos: a imobilidade do eixo em volta do qual gira a roda do tempo.
O homem não dispõe de qualquer espaço de liberdade. No «ergástulo da existência» que é a sua vida, ele está sujeito à presença «circunscrevente» dos deuses, por sua vez sujeitos ao destino. Tudo está trancado. E nada pode ser previsto, já que nada tem sentido. «Nada é devido ao mérito». Os deuses não fazem nada tendo em consideração a nossa existência, eles agem «por outro e divino / propósito casual». O mundo é regido pelos Números, cujo sistema nos escapa. portanto, não temos escolha, senão daquilo que nos é imposto. Mas é justamente a «livre» escolha do inevitável que vai criar a dignidade do homem. É um jogo, mas que transforma a relação entre o espírito e o mundo.

«Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submettermo-nos
Ao seu dominio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.»1

1 in REIS, Ricardo, Poemas, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

BRÉCHON, Robert, Estranho Estrangeiro. Uma Biografia de Fernando Pessoa, trad. de Maria Abreu e Pedro Tamen, Lisboa, Quetzal Editores, 1996, pp. 244-245.

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