O que faz a Primavera com as cerejeiras?
Brincas todos os dias...
Brincas todos os dias com a luz do universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
como um cacho entre as mãos todos os dias.
Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.
Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.
Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
e solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.
Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-ás até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.
Agora, agora também, pequena, trazes-me madressilva,
e tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.
O que te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela-d'alva beijando-nos os olhos
e sobre as nossas cabeças destorcerem-se os crepúsculos em leques
As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres «copihues»,
avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.
Quero fazer contigo
o que a primavera faz com as cerejeiras.
A minha teoria para o que faz a Primavera com as cerejeiras é a seguinte: a estação do despontar da natureza caracteriza-se também pelo tempo em que os frutos amadurecem. A cereja passa da flor que embeleza a árvore (como mostram as belas fotos que acrescentaste)ao fruto rubro e apetecível aos sentidos. A cereja é bela à vista, começamos a brincar com ela, na infância, fazendo brincos. Mas também produz uma imagem de sensualidade quando destacamos com os dentes o fruto redondo do seu delicado pé, e, quando somos mais crescidos, sabemos usar esses recursos.
ResponderEliminarO poema de Neruda fala disso mesmo, do amadurecimento e do despertar para o amor, que desponta com particular fulgor na Primavera.
Obrigada por estes posts que me fazem regressar às indagações literárias.
Oscula